domingo, 19 de abril de 2009

Resenha – Documentário: Morrendo para contar a história.

Por Luciana Pacheco

            No cotidiano de um fotojornalista, um simples clique determina o recorte da realidade que será eternizado. Uma fração de segundo a mais e o momento será perdido. Consciente disso, esse profissional está sempre atento aos menores detalhes do mundo ao seu redor e muitas vezes arrisca a própria vida em busca da foto perfeita (de acordo com a sua concepção de perfeição): geralmente aquela que transmite alto teor de informação, de emoção ou ambos; aquela que fala por si e torna todas as palavras desnecessárias; aquela que vai entrar para a História. Esse instinto de determinação um tanto “suicida”, de quem não tem medo do perigo, é a união de duas fortes paixões: a do fotógrafo e a do jornalista. Combinação excitante e perigosa, que pode levar tanto à glória e ao reconhecimento internacional como à morte.

            É o tema tratado no documentário “Morrendo para contar a história” (Dying to tell the story), de 1997, produzido por Amy Eldon. A cineasta conta não haver superado o fato de seu irmão, o fotojornalista Dan Eldon, ter morrido durante a cobertura de uma guerra na Somália em 1993.  Na época, Dan tinha 22 anos e trabalhava para a agência de notícias Reuters. Depois da morte do irmão, Amy, com apenas 19 anos, entrou em depressão profunda e largou a faculdade. Não conseguia entender o motivo que levava tantos fotógrafos, assim como Dan, a enfrentar o perigo de uma guerra para conseguir algumas imagens. Amy entrevistou fotógrafos e jornalistas, famosos correspondentes em guerras, a fim de descobrir mais sobre a vida do irmão e sobre o fascínio que pusera fim à sua jornada tão prematuramente.

            A paixão pela profissão era comum em todos os depoimentos; o que variava eram os motivos. Alguns consideravam o fotojornalismo uma missão: a de informar a todo custo com a maior objetividade possível; outros exaltavam o impacto emocional da imagem, até certo ponto manipulado pela técnica, e o seu efeito de mobilização social; e outros ainda pareciam apreciar a prática fotográfica por satisfazer o próprio ego. O conteúdo do documentário fornece assuntos não só para muitas resenhas, mas para várias discussões deontológicas relativas à profissão.

            Uma questão muito relevante, comentada pelo fotógrafo africano Peter Magubane e que toca a grande maioria dos fotojornalistas é a esperança de que suas fotos poderão mudar o rumo da História. Intimamente associado ao ideal jornalístico de libertação por meio do esclarecimento, esse desejo é manifestado também por Dan Eldon, nas palavras de sua irmã: “O que realmente motivava Dan era o fato de que ele estava fazendo a diferença (...) obrigando as pessoas a agir”.

Sentimento esse que norteou Magubane durante toda sua carreira. Famoso por retratar as imagens do apartheid, na África do Sul, foi duramente perseguido. Chegou a ter sua casa destruída e a viver uma vida de fugitivo. Mas para ele esse era o preço a pagar para divulgar ao mundo a cruel realidade dos negros em seu país. Ele dizia que “uma luta não documentada não é uma luta”. As fotos de Peter Magubane funcionaram como evidências irrefutáveis das injustiças do apartheid, sensibilizaram a sociedade ocidental e foram fatores importantes  no auxílio à derrubada do regime oficial de segregação na África.

Nesse sentido, pode-se citar as fotos do holocausto – não comentadas no filme por pertenceram a contexto diverso daquele em que Dan viveu –, que evidenciaram o horror a que os judeus foram submetidos na Alemanha durante a Segunda Guerra. O mundo inteiro sabia da perseguição ao povo judeu, mas o impacto das imagens, amplamente divulgadas após o conflito, causou uma espécie de comoção mundial. Com o objetivo de evitar a repetição de tal barbárie, foram criadas organizações e tratados de promoção e defesa da paz e da igualdade, como a Declaração dos Direitos Humanos; além de centros documentais que guardam as memórias terríveis da guerra, como o Museu do Holocausto. Museus que reúnem fotografias chocantes até mesmo para uma sociedade acostumada à violência, a fim de que o mundo não se esqueça das práticas desumanas que a xenofobia pode estimular. 

Enfim, uma das conclusões a que se pode chegar assistindo ao documentário, e que emociona tanto a Amy quanto aos espectadores, consiste no fato de que o valor da fotografia como documento histórico é incontestável, mas talvez, numa sociedade em que a imagem tem o poder do convencimento e a fotografia representa uma prova da verdade, mais relevante ainda seja o seu valor como instrumento capaz de provocar reações e alterar o rumo dos acontecimentos. Esse ideal orientou Dan Eldon e muitos outros que morreram não somente tentando contar a história, mas, principalmente, tentando mudar a história.

6 comentários:

  1. Ficou mto boa a resenha Luciana.
    Gostei do final.
    bjos
    Mariana C.

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  2. Também preciso fazer uma resenha desse filme e achei a sua muito bem escrita, parabéns!

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  3. Estava procurando informações sobre o filme e encontrei sua resenha.
    Gostei muito.
    Parabéns pelo texto!

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