sábado, 25 de abril de 2009

Arte que transforma, filosofia que contrói

Projeto do MAC/Niterói aproxima jovens do Morro do Palácio da arte contemporânea e gera alternativas de trabalho para a comunidade

Por Raiane Nogeira e Gabriel Gomes

O projeto Arte Ação Ambiental, do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, atua há nove anos na comunidade do Morro do Palácio. Através de oficinas e programas complementares, os jovens adquirem profissionalização, educação artística e ambiental. O projeto contribui para a geração de renda de algumas famílias, além de possibilitar a formação de cidadãos mais participativos, criativos e responsáveis.
A iniciativa começou a ganhar forma em 1998, após uma visita ao MAC de jovens da comunidade, participantes de uma oficina do projeto Capacitação Solidária. Durante a visita, os questionamentos desses jovens despertaram o interesse do atual coordenador geral do projeto e diretor do museu, Luiz Guilherme Vergara, que, junto com outros profissionais, já tinha uma idéia de projeto, mas sem onde aplicar.
No artigo MAC/Niterói – um museu para a arte e o mundo contemporâneo, da edição de maio de 2006 da Revista Eletrônica Jovem Museologia, Luiz Guilherme definiu o programa. “Arte Ação Ambiental aponta para uma prática transdisciplinar de formar projetos para criação coletiva, cuja culminância é a relação do indivíduo com a sua realidade. O museu passa a ser o mundo, o suporte e os materiais artísticos – a própria existência”.
Assim, em julho de 1999, nasceu o Arte Ação Ambiental, criado a partir da necessidade do museu de expandir sua área de atuação junto a diferentes grupos sociais. O projeto começou atendendo 40 jovens, entre 14 e 24 anos, com quatro oficinas: de jogos neoconcretos (jogos interativos baseados na obra de João Sattamini), papéis reciclados, paisagismo e jardinagem e uma de cidadania, visando à educação ambiental. Além disso, os participantes contavam com reforço escolar. Uma das exigências da iniciativa era que eles continuassem estudando.
Muitos participantes seguiram engajados no projeto, mesmo após o recesso de final de ano das oficinas. O Arte Ação transformara a realidade de alguns deles, a quem caberia o papel de multiplicadores. É o caso de Elielton Rocha, que participou do projeto desde o início e atualmente é professor de uma das oficinas e estagiário da Divisão de Arte Educação do MAC.
Segundo Elielton, no início ainda havia um estranhamento tanto por parte dos moradores da comunidade, que viam o MAC como algo muito diferente da sua realidade, quanto por parte dos professores, orientadores e coordenadores, que também tiveram que se acostumar com dois ambientes tão próximos, mas tão diferentes. “Quando passávamos da porta do museu para cá, estávamos em um lugar desconhecido para nós. Para eles também, quando passavam para comunidade, rompiam uma barreira muito grande.”
O Arte Ação Ambiental começou a ser divulgado através de mobilizações. Os organizadores faziam workshops, levavam as oficinas e seus produtos até a comunidade e os jovens procuravam o que lhes interessava. Essa estratégia serviu como um estímulo para a participação das pessoas. Até mesmo crianças, que não eram o público-alvo das oficinas, por serem profissionalizantes, começaram a se interessar. Para atender esse contingente, os organizadores elaboraram grupos especiais para ensinar técnicas de fabricação de papel a elas.
Atualmente, por falta de infra-estrutura apropriada na comunidade, as oficinas acontecem em outros locais, como no Colégio Estadual Aurelino Leal, no Ingá. Mas com a construção do Módulo de Ações Comunitárias no Morro do Palácio, o Maquinho, o projeto poderá se expandir. O Módulo tem projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer e é patrocinado pelo Fundo Social do BNDES. A localização íngreme e de difícil acesso atrasou a conclusão da obra, que será inaugurada em dezembro.
O coordenador executivo do projeto Leandro Baptista explicou que, com a construção do Módulo, o Arte Ação Ambiental se transformará em mais que um projeto, tornando-se uma filosofia de humanização da cultura através de uma maior participação de entidades como o MAC. Os coordenadores do projeto acreditam que, no futuro, a iniciativa poderá se expandir para outras comunidades de Niterói.

A arte como formadora de uma consciência do olhar

Elielton Rocha comentou que entre alguns participantes do projeto havia a vontade de mudar a comunidade. O que esses jovens não percebiam, porém, é que a mudança já havia começado neles. A arte passou a influenciar o olhar de cada um acerca do seu cotidiano, de sua realidade. “A comunidade continuava com os mesmos problemas, mas nós é que estávamos vendo de forma diferente, perdendo um pouco da irresponsabilidade e tendo até um pouco mais de carinho pelas coisas da comunidade.”Através das oficinas e ações educativas, o Arte Ação Ambiental permitiu uma valorização e maior interação dos jovens da comunidade com a cultura local. O projeto levou a arte contemporânea para além dos limites do museu, possibilitando que um grupo excluído do acesso à cultura pudesse freqüentar e interagir com o universo artístico.

domingo, 19 de abril de 2009

Resenha sobre o documentário Morrendo para contar a história, de Amy Eldon

Por Luiza Barros


Come you masters of war
You that build the big guns
You that build the death planes
You that build all the bombs
You that hide behind walls
You that hide behind desks
I just want you to know
I can see through your masks

You that never done nothin'
But build to destroy
You play with my world

Like it's your little toy
You put a gun in my hand
And you hide from my eyes
And you turn and run farther
When the fast bullets fly

Masters of War – Bob Dylan


Por que garoto, mal saído da adolescência, com as bochechas rosadas e as roupas largas, resolve passar os que poderiam – e deveriam – ser os melhores anos na da sua vida numa guerra civil em um dos muitos países da África, um daqueles eternamente esquecidos pelo resto do mundo?
Aos 22 anos Dan Eldon foi morto na Somália durante uma turba Somali. Ele cobria o conflito no país, como fotógrafo da agência internacional de notícias Reuters, junto com outros três jornalistas também mortos no mesmo dia: Hos Maina, Anthony Macharia e Hansi Krauss.
A pergunta do primeiro parágrafo é comumente a que as pessoas fazem – mesmo que em silêncio – quando ficam sabendo do triste destino de Dan. Seria difícil dizer, mas ele não foi o único, nem o primeiro, nem o último a fazer tal tipo de escolha.

É claro que existe o espírito de aventura, a necessidade de se arriscar, de fazer a própria vida ser memorável, talvez mais lemItálicobrada por alguns do que a dos que vivem no continente dos eternamente esquecidos. Mas Dan, ele poderia ter pulado de bungee jump se quisesse aventura, poderia ter virado um acionista da Wall Street se quisesse riscos, poderia ter participado do Big Brother se quisesse exposição. Mesmo assim, não, mesmo tendo todas as opções que um rapaz com algum dinheiro e alguma beleza poderia ter, ele resolveu ir pra guerra, não para lutar, mas para tirar fotos. Entrada vip para conhecer o inferno.

A partir desse questionamento, a irmã de Dan, Amy Eldon, inicia sua jornada no documentário Morrendo para contar a história. Em seu primeiro filme, Amy reconta a história do irmão com um sentimentalismo que, apesar de sincero, não deixa de ser encenado para as câmeras. Isso pode incomodar alguns, mas mesmo assim não tira o mérito do trabalho. O mais interessante não é, na verdade, a “jornada” de Amy, mas sim os depoimentos dos fotógrafos e jornalistas de guerra que ela encontra em seu caminho. Nomes grandes, como Christiane Amanpour, Martin Bell, Don McCullin e Peter Mugabane, entre outros.

Cada um, com suas trajetórias de vida distintas, tem uma história diferente para contar. E com uma visão diferente do que significa estar lá, no inferno, como observador, testemunhando, fotografando, relatando, enfim, trabalhando, nada mais do que um trabalho, um meio de vida. É a partir daí que cada um se revela; uns vêem isso como prestação de um serviço à sociedade, como algo grandioso, transformador, capaz de mudar o mundo. Estão convictos, seja porque realmente acreditam ou porque precisam acreditar, como um escudo protetor de todos os traumas que a guerra pode trazer. Outros – e aí o maior exemplo é o depoimento comovente de Don McCullin – não se sentem tão inabaláveis assim. As convicções foram todas perdidas, não há nada de heróico, de transformador naquela função de capturar suas impressões da guerra; chega a ser até, de certa maneira, vergonhoso.

Fica mais fácil de entender o pessimismo de McCullin quando o vemos na tela. Um homem arrasado, que olha para baixo ao andar e fala com a voz desconsolada. McCullin conta porque largou o fotojornalismo de guerra. Após 35 anos cobrindo conflitos, sempre seguiu a receita de Robert Capa (considerado o maior dos fotógrafos de guerra) de chegar mais perto da cena até que, um dia, no Beirute, não pôde mais. Uma bomba, mandada pelos israelitas, explodiu em um condomínio. No meio da confusão, uma mulher surgiu, desesperada, histérica (como mais poderia estar?). Don não hesitou e bateu a foto. Seu trabalho. A mulher viu e veio em sua direção, com as lágrimas rolando, e começou a socá-lo. Don agüentou – com apenas um movimento já havia agredido muito mais; conseguira elevar o sofrimento que já estava no auge. Voltou para o hotel, mal agüentando a culpa e vergonha que sentia, quando recebeu o aviso: aquela mulher, aquela que sofreu tanto, tinha acabado de ser morta. Morta.

O documentário termina contando os dias finais de Dan Eldon. Em seus cadernos, Dan misturava relatos diários, citações, desenhos e recortes de suas próprias fotos. Era uma forma de tentar expressar todos os sentimentos misturados que sentia em relação à sua vida e ao que via. E à morte. Em certo ponto, fica claro que as abstrações de Dan não estavam apenas no papel, mas na confusão que se tornara sua mente. Ele planejava um retorno daquela viagem ao inferno quando foi morto. Já tinha tido demais.

12 de Julho de 1993, Mogadishu, capital da Somália. Uma operação do exército americano bombardeou o prédio central da ajuda humanitária. Os americanos, em um erro grotesco de inteligência, acreditavam que se encontrava ali o clã do “senhor da guerra” Mohamed Farrah Aidid. Cinqüenta pessoas foram mortas por isso. A multidão rebelou-se e, no meio da tragédia, os jornalistas da Reuters que vinham em um jipe foram atacados e levados até a morte, pisoteados pela multidão enfurecida.

A história de Dan Eldon acabou ali, quando passou a ser mais uma das tantas vítimas de uma das tantas guerras que já tomaram lugar. Depois disso, muito se foi feito e dito com o nome dele. A família de Dan, talvez numa tentativa de aliviar a sua dor elevando-o ao heroísmo, ou pelo menos, ao não-esquecimento, divulgou os seus diárItálicoios de todas as formas possíveis. Fundaram uma organização chamada Creative Visions Foundations em sua memória. Amy produziu o seu documentário de que tanto falamos. Uma adaptação para o cinema de sua vida está sendo preparada, até agora com o título de The journey is the destination, uma das frases cunhadas por Dan em seus diários. O astro adolescente Daniel Radcliffe foi escolhido pessoalmente pela mãe do fotógrafo para vivê-lo nas telas.

Apesar de todo esse interesse midiático, de toda essa glorificação, nada é capaz de tirar o gosto amargo sentido nas palavras de Don McCullin. Dan muito provavelmente não desejava ser um herói póstumo, e sim ter uma vida intensa. Ver a realidade da guerra, com todos os seus ossos expostos, é, de fato, uma forma de levar a vida ao extremo. Não faz sentido medir aqui se vale a pena ou não, se todos aqueles retratos e relatos são capazes de mudar algo no mundo ou nas pessoas. No entanto parece, depois de ver toda aquela destruição que vem do alto, dos senhores, como se viesse de lugar nenhum, mas que atinge a todos, a troco de alguma coisa para os senhores, e absolutamente nada para nós, que não existe algo tão impiedoso, tão injustificável, mas mesmo assim, tão recorrente quanto o horror, o horror da guerra.

Resenha – Documentário: Morrendo para contar a história.

Por Luciana Pacheco

            No cotidiano de um fotojornalista, um simples clique determina o recorte da realidade que será eternizado. Uma fração de segundo a mais e o momento será perdido. Consciente disso, esse profissional está sempre atento aos menores detalhes do mundo ao seu redor e muitas vezes arrisca a própria vida em busca da foto perfeita (de acordo com a sua concepção de perfeição): geralmente aquela que transmite alto teor de informação, de emoção ou ambos; aquela que fala por si e torna todas as palavras desnecessárias; aquela que vai entrar para a História. Esse instinto de determinação um tanto “suicida”, de quem não tem medo do perigo, é a união de duas fortes paixões: a do fotógrafo e a do jornalista. Combinação excitante e perigosa, que pode levar tanto à glória e ao reconhecimento internacional como à morte.

            É o tema tratado no documentário “Morrendo para contar a história” (Dying to tell the story), de 1997, produzido por Amy Eldon. A cineasta conta não haver superado o fato de seu irmão, o fotojornalista Dan Eldon, ter morrido durante a cobertura de uma guerra na Somália em 1993.  Na época, Dan tinha 22 anos e trabalhava para a agência de notícias Reuters. Depois da morte do irmão, Amy, com apenas 19 anos, entrou em depressão profunda e largou a faculdade. Não conseguia entender o motivo que levava tantos fotógrafos, assim como Dan, a enfrentar o perigo de uma guerra para conseguir algumas imagens. Amy entrevistou fotógrafos e jornalistas, famosos correspondentes em guerras, a fim de descobrir mais sobre a vida do irmão e sobre o fascínio que pusera fim à sua jornada tão prematuramente.

            A paixão pela profissão era comum em todos os depoimentos; o que variava eram os motivos. Alguns consideravam o fotojornalismo uma missão: a de informar a todo custo com a maior objetividade possível; outros exaltavam o impacto emocional da imagem, até certo ponto manipulado pela técnica, e o seu efeito de mobilização social; e outros ainda pareciam apreciar a prática fotográfica por satisfazer o próprio ego. O conteúdo do documentário fornece assuntos não só para muitas resenhas, mas para várias discussões deontológicas relativas à profissão.

            Uma questão muito relevante, comentada pelo fotógrafo africano Peter Magubane e que toca a grande maioria dos fotojornalistas é a esperança de que suas fotos poderão mudar o rumo da História. Intimamente associado ao ideal jornalístico de libertação por meio do esclarecimento, esse desejo é manifestado também por Dan Eldon, nas palavras de sua irmã: “O que realmente motivava Dan era o fato de que ele estava fazendo a diferença (...) obrigando as pessoas a agir”.

Sentimento esse que norteou Magubane durante toda sua carreira. Famoso por retratar as imagens do apartheid, na África do Sul, foi duramente perseguido. Chegou a ter sua casa destruída e a viver uma vida de fugitivo. Mas para ele esse era o preço a pagar para divulgar ao mundo a cruel realidade dos negros em seu país. Ele dizia que “uma luta não documentada não é uma luta”. As fotos de Peter Magubane funcionaram como evidências irrefutáveis das injustiças do apartheid, sensibilizaram a sociedade ocidental e foram fatores importantes  no auxílio à derrubada do regime oficial de segregação na África.

Nesse sentido, pode-se citar as fotos do holocausto – não comentadas no filme por pertenceram a contexto diverso daquele em que Dan viveu –, que evidenciaram o horror a que os judeus foram submetidos na Alemanha durante a Segunda Guerra. O mundo inteiro sabia da perseguição ao povo judeu, mas o impacto das imagens, amplamente divulgadas após o conflito, causou uma espécie de comoção mundial. Com o objetivo de evitar a repetição de tal barbárie, foram criadas organizações e tratados de promoção e defesa da paz e da igualdade, como a Declaração dos Direitos Humanos; além de centros documentais que guardam as memórias terríveis da guerra, como o Museu do Holocausto. Museus que reúnem fotografias chocantes até mesmo para uma sociedade acostumada à violência, a fim de que o mundo não se esqueça das práticas desumanas que a xenofobia pode estimular. 

Enfim, uma das conclusões a que se pode chegar assistindo ao documentário, e que emociona tanto a Amy quanto aos espectadores, consiste no fato de que o valor da fotografia como documento histórico é incontestável, mas talvez, numa sociedade em que a imagem tem o poder do convencimento e a fotografia representa uma prova da verdade, mais relevante ainda seja o seu valor como instrumento capaz de provocar reações e alterar o rumo dos acontecimentos. Esse ideal orientou Dan Eldon e muitos outros que morreram não somente tentando contar a história, mas, principalmente, tentando mudar a história.