Último ano do Ensino Médio e está na hora da fatídica escolha: o que fazer da vida. Consultas a guias de profissões, testes vocacionais, conversas com professores, com pais, com amigos; muitos dias, ou meses de reflexão, e pronto, a escolha está feita. E seja o que Deus quiser. Mas não acaba por ai. Agora está na hora de estudar e de conhecer a profissão de verdade. E se você resistiu até a formatura, está pronto para o mercado. Se construiu uma carreira, trabalhou por anos, está consolidado, não tem mais o que escolher, certo? Errado. Seguir uma profissão é fazer uma escolha diária. É reafirmar um desejo. E se o desejo se modificar, muda-se o rumo, repensa-se a carreira e (por que não?) escolhe-se de novo. Uma mudança de profissão após anos de carreira requer muita coragem, mas quem trocou garante: vale a pena!
Recontar a própria história
A paulista Márcia Dias, 28 anos, escolheu um novo rumo para sua carreira. Técnica na área e estudante de engenharia química, ela acreditava que a área fosse estimulante e desafiadora – “via-me como uma alquimista”. No entanto as pressões da indústria, onde atuou por sete anos, a desanimaram e ela optou por largar a carreira e o curso inacabado de engenharia e procurou a graduação em História da Universidade de São Paulo (USP). “Tive muito medo. Deixar engenharia, um curso clássico, é extremamente pesado”. Hoje, já formada, Márcia cursa o mestrado, trabalha com memória empresarial e leciona na rede municipal de ensino de São Paulo. Ela diz que não se arrepende da primeira escolha profissional: “o aprendizado foi valioso até para eu me conhecer melhor”. Quanto à nova opção de carreira, ela garante “Estou mais em paz”.
Mudança depois dos 30
Patrícia Maglio, 35, escolheu o jornalismo porque gostava de escrever, era curiosa e lia muito – “Achei que tinha todas as características de um bom repórter”. Ela cursou a graduação na Universidade Estadual Paulista, em Bauru, e conta que gostou muito do curso, “mas entre o estudo e a prática há uma grande diferença”. Já formada, Patrícia trabalhou oito anos em diversas áreas do jornalismo, no entanto a cobrança e as extensas jornadas de trabalho a desanimaram. Ela conta que teve vontade de ajudar as pessoas de uma forma mais direta e por isso procurou o curso técnico de enfermagem: “Na enfermagem, muitas vezes o reconhecimento não vem do patrão, mas do olhar de gratidão dos pacientes”. Há quase dois anos trabalhando na nova área, Patrícia explica que não teve medo da mudança e que se sente mais realizada com a nova carreira: “Mudei de profissão depois dos 30 anos e se tiver vontade de mudar outra vez aos 50, mudo.”
O mais curioso no caso de Patrícia é que ela escolheu uma nova profissão totalmente diferente da antiga. Apesar de ter características que a levavam ao jornalismo, Patrícia também tinha aptidões para a área biológica. O psicólogo e professor da Universidade Católica de Petrópolis, Antônio Rubens Coelho explica que as pessoas não tem habilidade para apenas uma tarefa : “ Todos nós temos inteligências múltiplas, e por que não usar uma segunda ou terceira ‘colocada’ na nossa hierarquia de aptidões?”
Jogo de cintura
O mineiro Bruno Gomes, 27, também escolheu uma nova carreira bem diferente da antiga. Ele gostava muito de jogos eletrônicos e achou que o curso de Ciência da Computação seria uma boa chance de trabalhar com o que mais o interessava. Durante a graduação Bruno descobriu que o curso era mais voltado para a área acadêmica: “Pensei que eu fosse poder ficar em contato com o que eu mais gostava: jogos. Mas com o tempo eu percebi que o curso não era bem o que eu imaginava”. Apesar de já pensar em desistir durante a graduação, ele completou o curso e trabalhou por cerca de dois anos com informática, mas não na área de jogos eletrônicos. Bruno explica, que com o tempo, percebeu que realmente não gostava da profissão: “Não suportava ficar preso numa sala, na frente de um computador, por mais de oito horas por dia”. Ele resolveu prestar mais uma vez o vestibular, dessa vez para o concorrido curso de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, onde já havia cursado a primeira graduação. Bruno ingressou no curso em 2008 e hoje está no terceiro período. “Me sinto completamente feliz com o curso que escolhi. Tenho prazer em estudar medicina, (...) me esforço para ser um excelente aluno.” revela. O futuro médico incentiva a mudança profissional para quem não está feliz com a carreira: “Defina uma meta, isso ajuda muito nos momentos de dúvida, principalmente quando você se pergunta ‘É isso mesmo que eu quero?’”.
Coragem para mudar
A escolha profissional deve ser feita com muito cuidado. O psicólogo Antônio Rubens diz que é preciso se levar em consideração não só as aptidões e os interesses da pessoa, como também seu temperamento e personalidade. A paranaense Glisiane Canali, 27, confessa, no entanto, não ter feito grandes reflexões sobre a primeira escolha profissional. Ela queria prestar vestibular para algum curso na área biológica. Como o curso de Medicina era muito concorrido ela optou por Farmácia, já que o pai tinha um comércio no ramo.
Assim como Bruno Gomes, Glisiane já pensava em desistir durante o curso, mas acabou se formando na Universidade Estadual de Londrina e atuou na área por dois anos. Ela trabalhou durante cerca de um ano na farmácia dos pais, mas não gostava.“Eu fiquei me esforçando pra acostumar e tentar gostar, mas não consegui! Foi muito desgastante, eu tentava trabalhar bastante e não parar pra pensar, tinha dores de cabeça todos os dias”. Glisiane não conseguia se animar com a carreira, chegou a fazer terapia e decidiu mudar de profissão. Hoje ela cursa o terceiro ano de psicologia e diz que o mais difícil é dar o primeiro passo: “Você tem vontade de mudar, mas precisa ter coragem pra ir lá e começar!”
No caso de Glisiane, o mais difícil foi aceitar que estava na profissão errada e partir para uma nova empreitada. Antônio Rubens explica que uma escolha errada começa a se manifestar por ‘sintomas’ como insatisfação, sofrimento, frustração e desconforto emocional, aliados a baixa motivação.
Das exatas às estrelas
Para Cristina Rodrigues, 30, a vontade de mudar de profissão só se manifestou quando ela já estava no mercado de trabalho. Cristina cursou Engenharia de Produção Mecânica na USP. Durante a graduação ela não pensava em desistir “Na verdade, até me formar gostei bastante do curso”. Mas depois de cinco anos trabalhando na indústria, Cristina começou a enxergar o mercado como “um ambiente chato e hostil”. Desestimulada, a paulista começou a se interessar por astrologia e terapias alternativas, fez cursos de formação e hoje é astróloga, terapeuta holística e taróloga. Sobre a nova carreira Cristina revela “Estou crescendo aos poucos, mas gosto muito do que faço”. A dica que ela deixa para quem pensa em redirecionar a vida profissional é “investir em cursos e ter uma poupança antes de fazer a virada. Qualquer nova profissão exige investimento financeiro”.
São muitos os motivos que levam alguém a mudar de profissão. Pode ser uma escolha errada que vai se revelar com o tempo, uma mudança no mercado de trabalho ou simplesmente uma mudança de interesses. O psicólogo Antônio Rubens acredita que uma mudança de profissão pode ser reflexo do fim de um ciclo, ele explica “Acredito que as pessoas possam mudar de profissão, de foco, de interesse a partir de descobertas internas, de fechamento de ciclo de competência. A pessoa trabalha por um tempo em certa ocupação, seu ciclo de competência é fechado, e outro se inicia.”
A psicóloga e professora da Universidade Federal Fluminense Catharina Marinho Meirelles, acredita que a vontade de mudar de carreira acompanha as mudanças que o indivíduo sofre ao longo da vida: “O ser humano muda constantemente. Através das vivências, contatos, desafios, frustrações e realizações que passa ao longo da vida ele tem a oportunidade de atribuir novos significados ao mundo que o cerca.”
Uma mudança de profissão exige muita coragem. Todo o dinheiro, tempo e expectativas depositados em anos de dedicação são deixados de lado. E é preciso recomeçar, construir novamente as bases de uma carreira. Mudar é preciso, mas com certeza não é fácil. A virada na carreira envolve pressão familiar, financeira, social. Continuar em uma profissão que não agrada, porém, é ainda mais difícil. E descobrir aquilo que traz felicidade mesmo que tardiamente é sempre recompensador. Afinal, os melhores profissionais são aqueles que gostam do que fazem.